sábado, abril 01, 2006

Dia 2: De Valle de Carrasco ao Gévora

Despertei exausto duma noite curta e ruidosa...
Por diversas vezes acordei em sobressalto, atropelado pelo som esmagador de trânsito do comboio. A cada passagem, o "gentil" maquinista fazia questão de soar a sirene, como se o barulho titânico da composição não fosse suficiente para despertar o mais profundo dos comas... o reboliço era de tal ordem que parecia que me ia passar por cima.
E enquanto não passava o comboio, o silêncio era violado pela algazarra ensurdecedora de porcos em arrojado acto sexual. O ruído era de tal forma intenso que estava genuinamente convencido que se tratavam de cavalos a relinchar a meio metro da tenda! Não sabia bem onde estava...
Eis que, enfim, regressa a luz do dia. Saí para fora da tenda para me aperceber da localização do acampamento. Estava a cerca de 10 metros da linha e a uns 200 metros duma pocilga... estava tudo explicado.
Após tomármos o pequeno-almoço, arrumámos a casa e enveredámos por trilhos na Serra de Aracena.
A paisagem prometia e a vontade de verdascar era incontrolável!
Para despertar a coluna, nada melhor que umas trialeiras pela manhã. O Fernando pensou em tudo! ;)

O andamento era pacífico e permitia disfrutar do magnífico cenário que nos envolvia. Apesar das óbvias semelhanças ao ambiente alentejano, conseguia sentir ali uma amplitude de espaços inexistente no Alentejo.
A presença da fauna carasterística era constante. Felizmente, o contacto era apenas visual! ;) O gado bravo observava a nossa passagem com desconfiança e parecia de facto merecer prudência na aproximação e manter uma certa distância de segurança!

Por entre o montado, espreitava outra da riqueza da região: os serranos! Eram leitões, muitos porquinhos pretos em crescimento selvagem! Não admira que os seus derivados sejam dos mais apreciados por todos nós. Ui, aquele presunto... ;)
A coluna progredia moderadamente sobre piso muito seco e pedregoso. Pouco antes de chegarmos a Jerez de los Caballeros ocorreu o primeiro azar. O colega da LC8, que seguia atrás de mim, caiu numa rara passagem lamacenta e magoou-se no joelho.
Prontamente acorremos ao "Centro de Salud" de Jerez onde foi diagnosticada uma entorse. Infelizmente, acabava ali a sua participação nesta ruta.

As quase 3 horas passadas na vila, forçaram-nos a dividir a comitiva para recuperar do atraso. "Los portugueses" formaram um grupo! =)
A partir desse momento o ritmo da progressão aumentou consideravelmente e sentíamo-nos mais livres, mais envoltos pelo ambiente. Circular num grupo coeso de 15 motos é radicalmente diferente de integrar um grupo de apenas 3 máquinas: aumenta o espaço, alonga a comitiva, aumenta a liberdade.
Foram sensações indiscritíveis. É cansativo procurar adjectivos para a paisagem. São coisas que não se dizem: vivem-se e sentem-se. Para quem realmente gosta de passear pelo campo, um simples olhar ao horizonte revela-nos detalhes e harmonias que dificilmente podemos traduzir por palavras. Gostaria de poder dizer mais, mas esgotei o meu vocabulário.

Apesar do aumento do ritmo de progressão, as frequentes pausas para absorver todo aquele esplêndor, e captar umas fotos, ditaram que o tempo disponível não fosse suficiente. Já o sol se tinha escondido e nós estávamos ainda a cerca de 25Km de Alburquerque, talvez 40Km pela ruta.
Chegámos às margens do Gévora, exactamente sobre a fronteira portuguesa, sobre campos de pasto alto por onde não divisávamos caminho. Tentámos durante algum tempo descobrir uma passagem pelo rio, mas a escuridão não dava tréguas e o avanço sobre terreno totalmente oculto pelo pasto representava um risco acrescido à segurança.
Pelo meio da erva alta, surgiu-me o abismo. Deparei-me a meio metro de me lançar dum penhasco de 3 metros sobre as àguas do rio.
Entretanto o Fernando contactou-nos. Tinham retomado o asfalto quando a noite caiu e já estavam em Alburquerque, num castelo isolado. Não valia a pena andarmos às voltas no bréu.
Decidímos acampar ali nessa noite, o local era explêndido e já havíamos atravessado uma pequena mata com aspecto muito hospitaleiro. A noite estava linda e aproveitámos para descansar e jantar condignamente o frango assado que comprámos em Badajoz. Não estou certo da nacionalidade do solo que me acolheu e embalou nessa noite. Talvez estivéssemos a menos de 300m da pátria-mãe, o nosso querido Portugal. Penso qual seria o meu sentimento, se ali estivesse à 20 anos atrás, quando as fronteiras ainda eram uma realidade. Não poderei saber... por agora durmo, mergulhado no harmónico murmúrio das àguas do rio Gévora.

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