sexta-feira, setembro 02, 2005

Dia 10: De Kenitra a Lisboa

O último dia em solo marroquino foi passado praticamente na estrada. Saímos de Kenitra e seguimos a autoestrada até Larache, onde depois apanhámos a estrada para Tetouan. Pelo caminho deixei cair os óculos esculos e, nos escassos segundos que medearam o incidente e a inversão de marcha, um carro fez o "favor" de os reduzir a fragmentos :(
Daqui em diante, a viagem confunde-se com qualquer outra: Ceuta, Algeciras, Jerez, Sevilha, Ficalho, Beja, Grândola, Montijo e Lisboa.
Chegámos passavam das 2:30 da madrugada de sábado, dia 3, quase 4500Km e 11 dias depois da partida.
Mais uma vez, apraz-me registar a quantidade de problemas que me deu a AT: 0(zero).
No mapa parece um local distante, mas Marrocos é já ali ;) Voltarei muito em breve para concretizar o plano original: percorrer as pistas do sul desde o Erg Chebbi até ao Atlântico! Já faltou mais... ;)


O álbum completo está disponível aqui.

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quinta-feira, setembro 01, 2005

Dia 9: De Essaouira a Kenitra

Passavam poucos minutos das 11 da manhã quando deixámos a estalagem. O dia estava solarengo e posso afirmar que me sentia bastante melhor! A dor de garganta, pelo menos, havia diminuido mas não o suficiente para me permitir o "luxo" de comer novamente...
Os planos para o dia estavam definidos: visitar Marrakesh e iniciar o regresso a Portugal.
Por volta das 12:15, parámos num restaurante de grelhados à beira da estrada, onde autocarros de turistas faziam paragem obrigatória. Apesar da fome "apertar", fiquei-me pelos alimentos líquidos...
Seguimos viagem para Marrakesh e, à medida que nos afastávamos da costa, o terreno circundante tornava-se novamente desértico e nem a vegetação rasteira singrava neste ambiente escaldante...


À chegada a Chichaoua...

E por volta das 14:00 estávamos em Marrakesh, e na famosa Praça Djemaa el Fna...

...entre "encantadores" de serpentes moribundas...

...e um copo de sumo de laranja natural!

Seguimos depois para uma breve passeio pela medina, uma das mais carismáticas do mundo àrabe.
Posto isto as 16:00 marcaram o nosso regresso à estrada, com Lisboa como destino, embora tivessemos planeado passar a noite em local ainda incerto...

Settat e Casablanca passaram por nós como clarões distantes na noite, à medida que progredíamos pela autoestrada que nos levaria até Rabat. Seguimos depois para Salé onde jantámos num restaurante à beira da praia.
Para os padrões marroquinos, e considerando a hora já bastante avançada, estava bastante gente na praia.
Após o jantar, decidimos deixar a confusão de Rabat para trás e prosseguir até Kenitra, local que escolhemos para passar a noite.
Não foi difícil descobrir um hotel com garagem na cidade. Apesar das 4*, o hotel parecia votado ao abandono, com pequenas "obras" aqui e ali. Não perdemos tempo e fomos acompanhados pelo porteiro à garagem.
Ao subir, pelas escadas de serviço, até ao piso da recepção apontou-nos uma porta e esboçou uma careta insunuatória. Imediatamente me lembrei duma conversa com o amigo LL sobre os famosos "-1" marroquinos ;)
Poucos momentos depois estávamos instalados e, enquanto eu tomava duche, os outros dois "varões" esquivaram-se para o "-1" para reconhecer o ambiente...
Não demoraram muito a regressar... ao que parece, a "fauna" tinha tanto de feroz como de repulsiva e o melhor a fazer era mesmo trancar a porta do quarto e evitar dar sinal de vida :)
Ao longo da noite as "hienas" circularam pelo corredor, de quarto em quarto, acompanhadas por indivíduos corpulentos e intimidatórios...
Dormi bem! Não sei se bateram à nossa porta naquela noite :)

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quarta-feira, agosto 31, 2005

Dia 8: De Agadir a Essaouira

Cedo deixámos Agadir e, seguindo para norte em direcção a Essaouira, ladeámos a colina onde pontifica o forte "lusitano", agora sobre inscrições àrabes na encosta que poderiam ser traduzidas por "Agadir Sauda-vos".

Ao longo dos kms da linha costeira, que nos acompanham até Essaouira, o cenário é monótono e pouco vistoso. Depois, à medida que iniciamos a travessia do Anti-Atlas, a estrada torna-se caprichosa, enroscada ao longo das encostas e o ambiente muda progressivamente. A vegetação rasteira e o solo avermelhado vão cedendo lugar a oliveiras, sobreiros e ao pasto mediterrânico.
A sinuosidade do percurso rapidamente me entusiasmou, e o 4x4 foi ficando, inevitavelmente, para trás!
Ao longo da estrada, vendedores com bancas improvisadas distribuem-se ao longo de várias dezenas de quilómetros, com intervalos de escassas centenas de metros entre si. Erguem garrafas de vidro à minha passagem. O conteúdo é translucido... pareceu-me azeite, embora não tenha parado para comprovar.
A cerca de 10Km de Essaouira decidi parar num café à beira da estrada e aguardar pelo resto do pessoal.
Ao longo dos últimos dias, e paricularmente durante toda a manhã, vinha sentindo a garganta seca e alguma dificuldade em deglutir pelo que aproveitei para beber um refresco.
Cerca de uma hora depois, por volta das 13:00, já tinhamos regateado a refeição e estávamos a disfrutar de um autêntico banquete de peixe e marisco...

...nas barracas da praça...

...junto ao antigo forte português.

A primeira impressão que tive, ao chegar a Essaouira, foi um enorme sentimento de familiaridade. Apesar da atmosfera turística da cidade, o ambiente é tradicional e pacato. A traça dos edifícios, o modo das gentes, tudo aponta para uma história que não é àrabe... a presença de Portugal ainda se sente fortemente em cada recanto do Mogadouro, como nós lhe chamávamos :)

Após o repasto, enveredámos pelas ruelas estreitas da medina. Enquanto uns diambulavam em busca de artefactos eu tentava descobrir, em cada recanto, a imagem perfeita que retratasse a minha percepção de Essaouira...

Apesar de considerar que essa imagem fortuita me escapava de cada vez que empunhava a camâra, a que talvez mais se aproxime seja esta que tirei de uma das torres, por entre as ameias da fortificação.

Sem esforço, imagino combates navais travados nesta costa rochosa e irregular.
As peças de artilharia, que fintam o horizonte desde a muralha, são quase todas herança da coroa espanhola que ocupou Essaouira após a nossa retirada. Quase, pois resta ainda um exemplar português cuja foto ainda aqui heide publicar.

Entretanto a dor de garganta, que me incomodou com mais intensidade ao longo de todo o dia, piorou consideravelmente e já não conseguia engolir fosse o que fosse...até do chá me vi privado! Sentia-me, de facto, abatido e com uma forte dor de cabeça. Diagnóstico da nossa enfermeira: anginas...
Fiquei então a saber que há alguns dias que ela estava a curar anginas e, lamentavelmente, deveria ter sido contagiado por ela. Nada de grave :) pois medicação não faltava a bordo!
Devido ao mau estar que sentia, verifiquei que não tinha condições para prosseguir viagem até Marrakesh e a comitiva concordou em passar a noite em Essaouira.
Procurámos então um estalagem para passar a noite e acabámos por escolher uma muito agradável na medina.
"La Maison du Sur", como se chama, é uma estalagem com excelentes condições e muito bem decorada. Construída ao estilo marroquino, em torno de um pátio central, dispõe de quartos agradáveis dispostos em torno do pátio e um ambiente extremamente acolhedor. Agradável surpresa são também os preços que, não estando tabelados, são regateados após uma breve visita pelas instalações! Sem pequeno almoço, acordámos em cerca de 20€ por pessoa. Bastante acessível tendo em conta a localização e as condições da estalagem.
A clarabóia sobre o pátio...

...com os quartos dispostos em redor...

...a sala de refeições e bar no pátio...

e o aspecto do quarto, já desarrumado :)

Passavam das 20:30 quando tomei o anti-biótico e me deitei ;) O resto do pelotão? Rumou às barracas para mais um banquete de marisco!
Foi uma belíssima noite de sono...

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terça-feira, agosto 30, 2005

Dia 7: De Foum-el-Hassan a Agadir

Acordámos pouco depois do nascer do sol. Apesar do fraco conforto do alojamento, até posso dizer que descansei bem!
Novamente, o itinerário planeado sofreu alterações e a etapa Tan Tan - Sidi Ifni, talvez das mais belas no "cardápio" (devido ao troço ao longo da praia), foi sacrificada devido à falta de tempo...
Arrumámos o material, agradecemos aos guardas e partimos em direcção a Sidi Ifni - via Guelmime.

A aproximação à costa era notória. A neblusidade cobria os céus, o odor a maresia galvanizava após as "securas" do deserto e a humidade saturava a atmosfera chegando ao ponto de "molhar" a roupa!
Eis que enfim...o mar!

A praia em Sidi Ifni estava concorrida apesar do tempo encoberto e da temperatura baixa. Decidimos subir ao longo da costa em direcção a Agadir, procurando uma aldeia de pescadores onde pudéssemos comprar peixe fresco para grelhar no caminho.
Acabámos por chegar a Aglou-Plage e ao seu mercado à beira mar. Após questionar alguns vendedores de peixe no mercado, um deles indicou-nos a localização do pequeno porto de pesca e disponibilizou as chaves da sua arrecadação junto ao mesmo para que pudéssemos utilizar o seu fogareiro!
Seguindo as instruções desenhadas num pedaço de cartão, seguimos um caminho de areia até chegamos ao local, a cerca de 3Km a Norte de Aglou-Plage. Um paraíso...
No pequeno porto encrustado na falésia, o frenesim da lota era evidente. O peixe que ia chegando era rapidamente rodeado pelos comerciantes e regateado vigorosamente.
Dirigimo-nos a uma pequena arrecadação de apetrechos onde se encontravam dois pescadores a amanhar peixe e, após perceberem o que pretendiamos, imediatamente nos arranjaram duas enormes sardas...
...e depois de verificarmos que na arrecadação que nos tinha sido emprestada não havia carvão o Aziz (um dos pescadores) disponibilizou, para que pudéssemos grelhar e saborear o peixe com traquilidade, aquela que viria a ser uma das mais belas maisons que conheci até hoje :)

Escavada numa falésia junto ao mar, na encosta arenosa, possuia três divisões independentes e ligadas por grandes janelas: uma cozinha, uma sala e um quarto.


Possuia ainda uma divisão mais recente: o WC. Este fora construido ao canto do terraço que servia também de corredor, interligando os três espaços.

A decoração simples, mas de muito bom gosto, produzia um resultado final indiscrítivel... viver ali, em isolamento moderado, acordar com o aroma da maresia, abrir a porta e fintar a imensidão do mar materializava, como nenhuma outra o fez até hoje, a casa dos meus sonhos.

Será, com certeza, ponto de paragem obrigatório numa próxima viagem por Marrocos.

Após a saborosa refeição preparada pelo mestre Aziz (mas por aqui todos se chamam Aziz?! Não...também há uns quantos Mohamed e Hassan!)...

...seguimos em direcção a Agadir, via Tiznit.
Mas foi pouco depois de sair de sair de Aglou-Plage que vislumbrei a entrada para uma pista que, segundo as cartas do IGN, seguia para norte. Avisei o resto da comitiva que me encontraria com eles mais tarde, pois estava farto de asfalto e iria seguir aqueles trilhos...
Infelizmente não tenho fotos do percurso, pois a máquina ficou dentro do 4x4, mas passei por aldeias e locais lindíssimos que valeram bem os quase 50Km percorridos por caminhos de areia no litoral marroquino.
Foi apenas em Sidi-Bibi que me encontrei novamente com o 4x4 e parámos para beber um refresco...
Em poucos segundos, tínhamos a aldeia à nossa volta. Os miúdos...e os avós! Os engraxadores de sapatos...e os lavadores de carros! O assédio era tão intenso que qualquer tentativa de "sacudir" a pressão era rapidamente contrariada por uma pressão ainda mais intensa e com gritos ainda mais histéricos...a situação estava definitivamente a ficar fora de controlo! Estavam a iniciar um motim!... XD
O pessoal do 4x4 acabou por efectuar uma retirada estratégica, justamente quando o lavador se apercebeu que não seria recompensado pelo seu esforço notável mas indesejado em lambuzar os vidros do carro, algo que considerou injusto e, no mínimo, desprezível!...
Para mal dos meus pecados, fiquei entregue à "hienas"...e, por mais habituado que já estivesse ao constante "pedinçar" marroquino, não deixei de me imaginar linchado entre gritos de "ARGEANT, DIRHAM...ARGEANT! CADEAUX...STYLO"!! ;)
Saltei para a moto e, a muito custo, deixei a multidão para trás num rebuliço apocalíptico...
Poucos minutos depois, chegávamos a Agadir. Atrever-me-ia a reconhecer a existência de duas cidades distintas. A tradicional e a artificial. A marroquina e a europeia. A muçulmana e a ateia.
De facto, para mim Agadir encarna o choque entre os valores ocidentais e os tradicionais àrabes. O problema parece ter sido resolvido com a criação de um "sector turístico", completamente ocidentalizado, super-patrulhado, onde o acesso é controlado aos próprios marroquinos e, infelizmente, onde Marrocos deixa de ter a sua identidade.
Cidade sobejamente conhecida pelo turismo de veraneio, foi com desilusão que constactei as semenhanças que partilha com as suas congéneres europeias. Hoteis, restaurantes, bares, discotecas, comércio...tudo profundamente ocidentalizado.
Na manhã seguinte seguiríamos para Marrakesh, via Essaouira, e o descanso faria falta para enfrentar a viagem.
Escolhemos um dos aparthoteis mais baratos e acabámos o dia com uma volta pela baía sob a imponente fortaleza, outrora, portuguesa.

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segunda-feira, agosto 29, 2005

Dia 6: De Zagora a Foum-el-Hassan

Na manhã seguinte, pelas 9:00, já estávamos na oficina em Zagora. O Aziz tratou de refazer a rosca do perne, enquanto os restantes assistentes lubrificavam a viatura e reparavam pequenos problemas que encontravam...

Pelas 10:00 já estávamos à entrada das pistas, junto à nova placa "Tombouctou 52 jours". A antiga, de madeira, foi demolida para dar lugar a nova construção :( e substituida por esta de betão (daí a seta estar a apontar na direcção oposta).

Partimos então para Foum Zguid, começando aqui verdadeiramente as pistas do sul e aquilo que eu cá tinha vindo fazer :)
O pista estava razoavelmente nítida e bem conservada sendo possível manter um bom ritmo de progressão, sempre superior a 60Km/h. Os primeiros 30kms eram de terra batida com algumas passagens de areia...

...dando depois lugar a mais de 100kms de pista muito pedregosa...

Pelo caminho decidímos parar para comer qualquer coisa e, do meio do nada, surge uma menina a pedir. Teria talvez os seus 13 anos e deveria andar por ali a pastar um rebanho, embora não se visse sinal dele. Mostrou-me os sapatos de plástico (o que restava deles) e, não tendo uns que lhe desse, peguei na fita americana e "reconstruí-os" o melhor que pude. Fiquei triste por não ter mais nada para lhe oferecer... Entramos em Marrocos e aos primeiros contactos com crianças oferecemos o que temos, esquecendo (ou ignorando) que os mais necessitados estão lá mais em baixo, onde raramente as ofertas dos turistas chegam. Aquela menina deu-me algo. Algo que não consegui retribuir...

Prosseguimos e os últimos kms passaram novamente a ser maioritariamente arenosos.

Alcançámos Foum Zguid já perto das 15:00, onde houve ainda tempo para observar o antigo forte da Legião Estrangeira, logo à entrada na colina.
O pessoal no 4X4 não quiz prosseguir por pista até Tata. Teríamos de chegar o mais depressa possível ao Atlântico para recuperar o dia perdido.

Infelizmente, lá tomámos o asfalto com pistas sempre ali perto a "espicaçar"...

Após Tata seguímos para sul até Akka. Entretanto, apanhámos uma pequena tempestade de areia e desatou a chover! Abençoada àgua! Choveu até Akka...

...e foi mesmo antes de lá chegar que a moto entrou na reserva.
Procurei por uma bomba com gasolina sem chumbo..."30Km para sudoeste" diziam uns, "70!" diziam outros, "só em Tata" diziam ainda outros...
Decidimos avançar para Foum-el-Hassan. O jipe partiu com avanço para ir comprar gasolina onde encontrá-se e voltar para trás ao meu encontro. Eu seguiria algum tempo depois até onde a gasolina que tinha me levasse.
Sempre em ritmo muito lento, para "esticar" a reserva, lá fui andando em direcção a Foum-el-Hassan. Nas calmas fiz o caminho todo até lá e, pela primeira vez desde que tenho a moto, o depósito ultrapassou os 430Km de autonomia!!
Cheguei à periferia da vila de noite. Decidi parar a 3kms junto ao entroncamento de Icht, onde estava situado um controlo permanente da Gendarmerie Royal, e contactar o jipe. Estavam na vila e nem cheiro havia de gasolina sem chumbo...
Haviam já marroquinos a "oferecer" os seus serviços para resolver o problema. Entre eles estava um mecânico e o intérprete (o mecânico só fala àrabe e berbere), com um furgão ligeiro, que se "oferecia" para ir buscar o combustível a Guelmime por "apenas" 500Dh...
Como estávamos interessados em ganhar terreno até à costa, contra-atacámos propondo que levasse a moto até Guelmime, caso contrário iríamos procurar outra pessoa que o fizesse! O marroquino não se fez rogado:
-"1000Dh para levar a moto!"
-"Adeus e boa noite. Vamos procurar outra pessoa..."
-"800Dh!"
-"Esqueça..."
-"Por menos não vou..."
-"Quanto quer para ir buscar a gasolina?"
-"500Dh..."
-"Dou-lhe 350Dh e vou consigo."
-"450Dh!"
-"Não! 350Dh e vou consigo! Caso contrário vamos lá de jipe..."
-"...Acordado."
Parece curta mas a "negociação" demorou mais de meia hora... Após isto, deixei a moto junto dos meus colegas do jipe em Foum-el-Hassan e enfiei-me no furgão com dois jerricans e três marroquinos: o mecânico, o intérprete e o filho de mecânico :)
De seguida veio a experiência mais autêntica que trouxe de Marrocos. Às 10:00 da noite, a 100Km/h pelas estradas de montanha do Anti-Atlas, num furgão bem enfeitado, a ouvir música berbere bem alta e com aulas de dança particulares! Parecia um sonho :)
Chegámos a Tagannt. Já tinhamos passado por várias bombas e nada de "sans plomb"...
Parámos numa estação com vários cafés e grelhadores de rua. Enquanto o mecânico manipulava contactos e fazia telefonemas para descobrir onde havia sem chumbo aquelas horas da noite, vi-me "compelido" a dispender de 30Dh para pagar o petisco à rapaziada... lá petiscamos uns bocados de ovelha picada grelhada (fté?), pão e coca-cola. Passou bem uma hora e não havia meio de avançarmos. Às escondidas do mecãnico, os outros dois lá iam fumando cigarros atrás dos autocarros que paravam.
Finalmente entrámos no carro e seguimos em direcção a Guelmime.
Na cidade encontrámos finalmente o que procurava! Atestados os jerricans, regressámos rumo a Foum-el-Hassan, não sem antes apanhar mais um marroquino, pois ter carro em Marrocos significa quase sempre fazer serviço de táxi... se não está cheio, cabe sempre mais um!
Passavam as 3:00 da manhã. O mecânico, cheio de sono, pediu-me para conduzir o carro (era o único passageiro com carta)... recusei, pois pior estava eu! Desde as 8:00 da manhã, já tinha feito mais de 170Kms de pista e quase 400km de asfalto...
A condução agressiva do marroquino, aliada ao volume da música berbere e ao meu cansaço acumulado, forçaram a minha mente a entrar num estado "zombie"! Não estava a dormir, mas também não estava acordado...
Chegámos a Foum-el-Hassan já depois das 4:00 da manhã. A vila finalmente estava a dormir e tinha dado tréguas aos colegas do jipe... Ao que parece, haviam tido companhia até altas horas, e pouco foi aquilo que não lhes tentaram vender! :D
= Foi já em Portugal, várias semanas depois, que "descobri" que a AT suporta perfeitamente gasolina "super" :S
Nos escassos meses que tenho de experiência com motos, foi algo que nunca cheguei a sequer a ponderar... na minha ignorância, acabei por gastar tempo e dinheiro desnecessáriamente! Enfim, com os erros se aprende :) e sempre fica a inolvidável experiência vivida naquela noite ;) =
Atestei o depósito da moto e, na total ausência de sítio para pernoitar na vila, decidimos sair dali e procurar local para dormir na berma da estrada. Ao passar pelo controlo da Gendarmerie, decidi arriscar e perguntar-lhes se não nos autorizariam a pernoitar ali mesmo, no parque do posto... "N'est pas grave!" respondeu. Excelente! Montámos uma tenda para descansámos os três o que restava para o nascer do sol, enquanto o casal ficaria no carro :)
Maldito colchão de pedras pontiagudas...

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domingo, agosto 28, 2005

Dia 5: De Merzouga a Zagora

Acordei antes do nascer do dia, deveriam ser umas 5:00 da manhã. Meio acampamento já havia "trepado" pela grande duna para assistir ao espectáculo do nascer do Sol.
Terá talvez os seus 150m de altura? Apressámo-nos a saltar para a duna e desatámos a "esgatanhar" pela encosta acima...
melhor dito que feito! Subir aquilo não é brincadeira de crianças!... Acabámos por assistir ao nascer do sol ainda a meio da duna e, sensatamente, decidimos já não haver motivos para acabar a escalada :P "Siga a correr por aqui abaixo? Siga!!!"

Após isto, era hora de beber mais um chá e preparar para o regresso! Coloquei as Zega no 4X4 na esperança de ainda me divertir um bocado pelas dunas et voilá: que diferença! Nem parecia a mesma moto que me tinha esgotado na noite anterior :P
Foi com bastante facilidade que cruzámos as dunas de regresso, mais compactas a esta hora da manhã. Como o deserto cobra sempre o seu preço, coube ao 4x4 a tarefa de o pagar: atascou-se quase na última duna!

Foi necessária mais de hora e meia para o tirar dali, entre macaco pneumático, pás, pranchas... e 10 mãos hábeis a escavar :)
Após o "divertimento" matinal rumámos ao Albergue Tombouctou onde os passageiros do 4X4 já tinha chegado nos camelos.
A ideia era apanhar a pista entre Merzouga e Zagora mas os guias do Xaluca desaconselharam-nos, dizendo que a primeira parte da pista estava em muito mau estado para ser feita com o 4X4. Infelizmente, parecia sensato evitá-la... ainda mais quando o 4X4 parecia demasiado carregado até para fazer uma estrada de alcatrão :S
Sugeriram que fizéssemos o percurso até Alnif por alfasto e apanhássemos lá a pista até Zagora, esta em melhor estado. Aceitámos a sugestão e partimos.
Alguns kilómetros após Er Rissani, na estrada para Alnif: "PFFFFFF"...pára o jipe!
Mais um contratempo, o pneu do jipe perdia ar a um tal ritmo que sugeria rasgo(e não apenas furo) no pneu.

Após desmontar a roda, descobriu-se uma chapa achatada cravada no pneu, com cerca de 4cm de largura...
Ao montar o sobressalente em esforço (ingenuidade), a porca moeu um dos 6 pernes e não foi mais possível colocá-la. Não era grave....ainda tinha 5.
Não arriscámos a prosseguir sem sobressalente e regressámos a Er-Rissani para tentar resolver ali o problema. Foi na "Goodyear" que encotrámos o necessário para a reparação. Após desmontar o pneu da jante, inspeccionou-se o objecto perfurante mais em detalhe: era a lâmina de uma faca, com uns bons 10cm de comprimento, que se tinha "enterrado"... só não suspeitámos de "mão criminosa" :) porque foi perfeitamente audível, para quem ia no 4X4, o momento em que a lâmina perfurou o pneu.
Após meia hora lá se resolveu o problema e prosseguimos viagem novamente.
Com isto tudo, alcançámos Alnif já passavam das 16:00 e a malta no jipe já não estava com muita vontade de fazer pistas... tive de me conformar e prosseguimos por asfalto até Tazzarine. Aqui tornei a pressionar o pessoal para seguirmos para sul por pista até Zagora... não havia mesmo vontade :(
O receio que tinham de serem apanhados pela noite a meio da pista, obrigou-nos a prosseguir viagem por asfalto até Zagora - via Tansikht...
Chegámos a Zagora por volta das 19:30 e optámos pelo Camping "L'Oasis Enchantée" à entrada da cidade. Fomos até lá comprar àgua e, invariavelmente, a multidão reuniu-se...
Entre os presentes estava um mecânico que se viria a revelar útil para o meu colega do jipe. Fomos até à sua oficina beber um chá e conhecer os irmãos, todos mecânicos!
Ele especialista em Land Rover, o irmão mais velho em "japoneses". Figura muito simpática e educada, mostrou-nos o seu espólio fotográfico ao lado de diversos portugueses (entre outros) e participações no Dakar!
Após verificar o problema na porca e no perne, combinou-se voltar lá na manhã seguinte, quando a oficina estivesse aberta, para reconstruir a rosca do perne e tentar substituir a porca. Voltámos ao camping.
Algo agitado pelo desenrolar do dia, comecei a imaginar uma viagem a Morrocos sem pistas... entrei em "parafuso"! Reunidas as hostes, discutiu-se novamente o percurso e efectuaram-se as necessárias alterações à luz das condicionantes existentes... ficou também assente que faríamos a pista entre Zagora e Foum Zguid no dia seguinte, tentaríamos continuar por pista até Tata e depois pernoitaríamos algures entre Akka e Foum-el-Hassan.
Fui para a cama mais tranquilo...

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sábado, agosto 27, 2005

Dia 4: Pelas Dunas do Erg Chebbi

Alvorada pelas 9:00. Às 10:30 estávamos já de malas feitas e prontos a partir. Finalmente iria começar a percorrer pistas!
Enveredámos pela pista entre Erfoud e Merzouga, cerca de 50Km em piso predominantemente duro e pedregoso, alternado com magníficas passagens de areia e pequenas dunas, não superiores a 2mtrs. A primeira paragem tomou a forma de aula de paleontologia: um simpático berbere mostrou-nos fósseis e algumas das suas obras em pedra...

Fomos recebidos por algumas famílias berberes, cuja hospitalidade retribuimos com algumas oferendas que levávamos conosco, para alegria da criançada :)

Mais adiante, fomos recebidos por um grupo de músicos na aldeia de uma tribo senegalense, Jamelia, que nos presentearam com uma actuação fantástica. Acabámos por adquirir o seu mais recente trabalho discográfico, como forma de reconhecimento. Bastante agradável!

Circunscrevemos o Erg Chebbi, por pistas do Dakar, durante mais algumas horas...


Após reabastecer a montada com "sans plomb", direitinho da pipa para o garrafão e depois para a moto :)...

...seguímos depois viagem em direcção ao Albergue Tombouctou onde descansámos um pouco para a última etapa do dia: 6Km de "carrocel dunar" até ao Oásis onde dormiríamos em Bivouac!
Os 3 "passageiros" do 4X4 seguiram pelas dunas de camelo, enquanto nós estávamos com a pica toda para começar a cavar buracos na areia ;) Era para isso que eu ali estava!
As dunas tinham um aspecto lindíssimo...mais belo do que a fotografia poderá alguma vez retratar. A tonalidade avermelhada, realçada pelo sol posto, conferia ao cenário um aspecto idílico...sentia-me em casa!

Após cerca de 30m extremamente intensos (como o "lusco-fusco"... mas mais demorado :D), consegui transpor a cadeira de dunas que me separava do Oásis...cheguei lá fisicamente exausto. O peso da moto, que até aqui não me havia causado transtorno, é de facto exagerado para brincadeiras nas dunas e, cada vez que a moto perdia inércia, o esforço físico dispendido apenas para a tentar manter em andamento tratou de me deixar de rastos... :S
Só me lembro de um outro momento de exaustão semelhante: o dia em que me estreei, com os meus caríssimos amigos nómadas, nas areias da Comporta! :)

A noite foi passada "na sombra" da grande duna sob as estrelas no deserto, ao ritmo dos djambés e dos gritos berberes, colorido com danças improvisadas por um punhado de seres das mais diversas origens :)


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