domingo, abril 16, 2006

Dia 3: De Martil a Torres de Alcalá

Acordámos cedo. O dia estava agradável mas ligeiramente enevoado. Aproveitámos o comércio próximo para tomar o pequeno-almoço e comprar o indispensável pão e àgua para a jornada. Abastecemos e abandonámos Martil pela estrada em direcção a Tétouan.

Nos arredores da cidade, encaminhámo-nos para a estrada costeira que nos levaria até Bou Ahmed. Tencionávamos seguir serpenteando pelas encostas verdejantes do Rif que suavemente abraçam o Mediterrâneo e, sem surpresa, o Rif proporcionáva-nos constantemente paisagens indiscritíveis.


A região montanhosa do Rif (Er Rif) estende-se desde o cabo Spartel(ponto mais a norte de África) a Oeste até ao cabo Tres Forcas a Este. A Sul é delimitada pelo oued Ouargha e a Norte pelo Mediterrâneo.
Ao longo dos tempos os berbéres do Rif, conjunto das várias tribos que habitam a região, sempre foram considerados um povo orgulhoso e resistente. Na Idade Média, a região constituia o Reino de Nekor, um emirado fundado por um imigrante àrabe - Salih I ibn Mansur al-Himyarī - sob a tutela do Califa de Bagdad, com o intuito de converter os berbéres locais ao Islão.
Já durante a ocupação espanhola, em 1921, o povo desta região que havia sido dos mais activos na resistência contra os avanços franceses pelo deserto, revoltou-se sob a liderança de Abd el-Krim el-Khattabi, um forte líder tribal, e fundou a República do Rif.
Apesar dos esforços militares espanhóis para dissolver a recém-proclamada república, não foi antes de 1927 que uma força militar conjunta franco-espanhola conseguiu finalmente tomar a região e dissolver o estado. Abd el-Krim el-Khattabi permanece hoje como um afamado herói nacional.

Avançávamos com alegria e vontade pela estrada sinuosa. Atravessámos Bou Ahmed e, por esta hora, buscávamos já uma refeição.
Estávamos irredutíveis: teria de ser peixe fresco, ora não estivéssemos nós junto ao mar! Poucas ou nenhumas oportunidades de comer peixe teríamos assim que divergíssemos para o interior.
Após algumas tentativas pouco sucedidas, fomos informados que poderíamos satisfazer o desejo de pescado na localidade seguinte: El Jebha. E foi para lá que nos dirigimos.

Chegámos em boa hora. À entrada da localidade, a azafama era enorme em torno do pátio amplo duma tasca onde se grelhava peixe, principalmente sardinhas. O staff da tasca parecia não ter mãos a medir para a clientela; estava casa cheia. Encomendámos tagine de peixe, besugos por sinal, e algumas sardinhas assadas. Gentilmente prepararam-nos uma mesa no exterior, num baldio contíguo, à sombra dumas laranjeiras.

Após o necessário tempo de preparação, a refeição começou a chegar. Salada, as tagines, sardinhas e batatas fritas. Depois mais sardinhas... e ainda mais sardinhas! "ALTO!" - exclamámos. "C'est beaucoup de sardines!..." - Decididamente, não queriam que saíssemos dali com fome!... e não saímos!
Tudo estava saborosíssimo, particularmente as tagines, pois de sardinhas confesso não ser grande fã.
Após o abastado repasto, coisa que concerteza seria rara nos próximos tempos, estávamos prontos para continuar.

Além de boa mesa, El Jebha tinha outra particularidade: marcava o fim do asfalto, ou melhor, o verdadeiro início da nossa viagem.
Após El Jebha, a estrada alcatroada flete para sudeste em direcção a Ketama - a mal afamada capital do haxixe - mas nós pretendíamos seguir a maravilhosa linha costeira, apertados entre o lençol azul turqueza mediterrânico e a esplendorosa manta enrugada de retalhos verdejantes e avermelhados a que chamam o Rif.
Saímos de El Jebha a sondar possíveis pistas para este. Rapidamente o Quim, que já havia por ali andando com a furgoneta, nos conduziu ao caminho correcto.
Prosseguimos por uma das pistas mais belas que já tive o prazer de percorrer.
Ao dobrar de cada colina o esplendor do Rif revelava-se de forma cada vez mais surpreendente.

Não é possível cansarmo-nos de por ali diâmbular.
Mais adiante subimos um oued que proporcionou as primeiras dificuldades, pequenas é certo, da viagem. Muita pedra e alguns degraus serviram para apimentar ainda mais a espectacular pista que seguíamos.

Continuámos por pistas de montanha até chegarmos a um enorme estradão recém criado por maquinaria pesada.
Andam a construir uma nova estrada pelo Rif e não pouparam esforços para mover montanhas. Entristecia ver as entranhas do Rif expostas de forma tão agressiva.
A tarde passou lesta e o pôr-do-sol encontrou-nos sobre um miradouro, naturalmente debruçado sob o mar, à beira da pista com Torres de Alcalá no horizonte. O local era apropriado e decidimos ficar por ali nessa noite.

Montámos as tendas, jantámos e conversámos sob um imenso céu estrelado. Por fim, descansámos embalados pelo som do harmónico murmúrio do mar.

Percurso do dia

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