segunda-feira, abril 24, 2006

Dia 11: Descanso em Merzouga

Dia de descanso - como é normal, acordámos um pouco mais tarde. Lá fora o dia estava muito sombrio, frio e até - imagine-se - chovia no Erg Chebbi!! As dunas, geralmente avermelhadas, apresentavam as manchas negras do pó torrado humedecido pela precipitação.

Merzouga é uma aldeia berbére na vertente Sudoeste do Erg Chebbi, pequeno aglomerado de dunas a sul do vale de Taffilalet. Hoje em dia, Merzouga pouco conserva da pacatez e isolamento em que permaneceu durante muitas décadas. Agora, é ponto de passagem para quem pretende um contacto simplificado com o deserto.
Apesar de estar muito longe do isolamento de um verdadeiro deserto, ou da imensidão do grande Sahara, muitos acorrem aqui motivados pelo fascínio de percorrer as dunas de dromedário ou de dormir sob as estrelas num oásis.
O Erg Chebbi é vendido internacionalmente como parte integrante do deserto do Sahara o que, sem surpresa, o torna num produto apetecível ao turista ocidental que frequentemente acorre a Marrocos, sequioso de aventuras das mil-e-uma noites!
Obviamente, não é essa a motivação que nos traz aqui! :)
Além do florescente comércio local, a localidade oferece uma enorme variedade de albergues. Praticamente todos os habitantes trabalham, de alguma forma, para o turismo. Muitos vivem da interacção com o turista, seja através do comércio, seja através da oferta do serviço de guia pelas pistas circundantes.

Por hoje, ficamos por cá. Esperamos a chegada do segundo grupo!

Após o pequeno-almoço o tempo melhorou ligeiramente e iniciámos a manutenção das motos. Como em qualquer AT, que se preze, bastou lubrificar a corrente! ;)
Contudo, tinha outra tarefa para executar: ver-me livre do pneu que acartava à pendura desde Lisboa...
O pneu traseiro já saiu de casa praticamente careca mas a falta de tempo prolongou-lhe a vida indefinidamente. Com o pneu novo na bagagem, alguma oportunidade chegaria para o trocar!...
A oportunidade chegou. Desmontei a roda traseira e meia hora depois estava pronto a responder ao desafio do Quim: "Vamos almoçar a Rissani? Quero ir ver ali umas pistas pelo oued..." - siga!
Antes de sair, entregámos a roupa suja ao recepcionista, dispostos a pagar a alguém para a lavar!

O Tiago ainda andava cismado com o rolamento da direcção e decidiu permanecer no albergue para desmontar a moto. Deixámos o homem serenamente a trabalhar e partimos rumo a Rissani. Íamos bem levezinhos pois toda a tralha tinha ficado em casa. Na bagagem, agora, só a máquina e nada mais! ;)

Já passavam das 13:30 quando pousámos na esplanada de um restaurante, junto à entrada do Souk. Para variar, iríamos experimentar uma especialidade: pizza berbére!
Várias horas volvidas - pelo menos, foi o que nos pareceu aquela espera :) - eis que chega o excêntrico gourmet!
Afinal, não é mais que um pão berbére, um pouco maior que o normal, recheado de um refogado de carne e cebola e codimentado com uma panóplia de ervas aromáticas.

Após o respasto, abastecemos e deixámos Rissani progredindo para ocidente até alcançármos o oued Ziz. Parámos e, enquanto falávamos, aproveitei para colocar a carteira na mochila da máquina pois, provavelmente, saltar-me-ia do bolso...

Enveredámos pelos trilhos junto ao oued Ziz, em direcção a Erfoud. A pista era dura com algumas passagens de areias. Numa duna com meio metro, mandei-me pelos ares. Estranhamente, tive a sensaçao que algo tinha saltado mais que eu...
Reparei então que o Alex tinha ficado para trás. Quando o avistei percebi imediatamente que a minha máquina tinha aprendido a voar! Infelizmente, não tinha ainda aprendido era a aterrar...

Estupidamente, guardei a carteira e deixei a "#$%" da mochila escancarada! Pelo caminho, fui colecionando os destroços. Uma objectiva aqui, outro pedaço ali...
O Alex já andava a tentar fazer o puzzle do que tinha encontrado... Surpreendentemente, ainda trabalhava... Apesar de ter partido os dentes dos apoios da objectiva e de terem saltado bocados da carcaça, ainda tirava fotos! Do mal, o menos!... Enfim, logo se veria o efeito nas fotos quando chegasse a casa. :(

Continuámos pelas pistas agrícolas, através da fértil bacia do oued Ziz, até alcançarmos Erfoud. Depois, à falta de alternativas, regressámos circulando dentro um enorme canal de rega que nos levou novamente à saída entre Erfoud e Rissani.
Já em Rissani, contornámos a localidade pelo roteiro histórico e enveredámos pela antiga pista para Merzouga, agora abandonada.

Areia: geológicamente falando, matéria granular de classe compreendida entre o lodo e a gravilha. Vulgarmente constituida por sílica, a sua composição específica varia em função da geologia do local, ou seja, das rochas que lhe deram origem através de processos de erosão como o vento ou a chuva.
Duna: geográficamente falando, colina de areia formada por processos eólicos. Quando despida de vegetação, está sujeita a mudar de forma, tamanho e localização consoante a sua interacção com o vento. Existem diversas geometrias de dunas, definidas pela sua forma, e que resultam das características/direcções do vento no local. A mais alta duna do mundo é a Dune 7, com 383m, no deserto do Namib(Namíbia).
Cordão dunar: geográficamente falando, sequência de dunas normalmente alinhada em direcção perpendicular aos ventos dominantes. Nas regiões desérticas, os cordões podem ter centenas de quilómetros de comprimento e deslocar-se vários centímetros por dia, dependendo das condições climatéricas. Em larga escala, um cordão dunar apresenta um comportamento semelhante a uma onda no mar.
Erg: geográficamente falando, é uma grande àrea de deserto, relativamente plana, com pouca ou nenhuma vegetação, constituida fundamentalmente por areias móveis - sujeitas a interacção eólica. Erg é uma palavra àrabe que significa "campo de dunas". Científicamente, um Erg é uma àrea desértica com mais de 125Km^2 de areia móvel, que cubra mais de um quarto da superfície.
Sahara: palavra àrabe que significa deserto. Maior deserto do planeta Terra, com cerca de 7 milhões de Km^2, constituido por diversos Ergs como o Grand Erg Oriental na Argélia, o Erg Aoukar na Mauritânia ou o Ténéré no Niger. Compreendido entre o Atlântico a Ocidente, o Mar Vermelho a Oriente, as montanhas do Atlas e o Mediterrâneo a Norte e o Sudão e Vale do Niger a Sul. O Sahara é dividido em algumas regiões: Sahara Ocidental, Montanhas Ahaggar, Montanhas Tibesti, Montanhas Aïr (região de montanhas desérticas e altos planaltos), deserto Ténéré e deserto da Líbia (a região mais àrida). O ponto mais alto do Sahara é o Emi Koussi, com 3415m, localizado nas Montanhas Tibesti do norte do Chad.

Uma obcessão arenosa. Talvez possa ser assim definida a força inexplicável com que me atrai este elemento. Nenhum outro ambiente me fastina tanto no todo-o-terreno.
Na primeira vez que fiz fora de estrada, ainda a contar pelos dedos das mãos as semanas de experiência com a moto - e com motos - fui traumatizado por um encontro imediato de 3ºgrau com as pistas da Comporta. Contráriamente ao que seria de esperar, desenvolvi uma fixação pelo granulado difícil de compreender. Não posso ver a areia... à distância!
Teóricamente, o sul de Marrocos entra na geografia do grande deserto, mas a verdade é que pouco tem da verdadeira essência do Sahara. A vastidão desértica estende-se para lá da fronteira com a Argélia, deixando em Marrocos poucos e ínfimos Ergs, a saber: Chebbi, Lihoudi, Chegaga, Mghiti, Jerboia e Zemoul.

Circulávamos agora em direcção ao Erg Chebbi, o aglomerado de dunas mais extenso - e também o mais alto com a grand dune a atingir os 150m - de Marrocos.
A pista é, na generalidade, dura com passagens de areia. Engolida parcialmente pelas areias do Erg, proporcionava algumas dunas pequenas por onde nos divertíamos a saltar.
O céu continuava sombrio e começou a choviscar mas, à medida que nos aproximávamos de Merzouga, a nuvem provocadora ficou para trás.
Entre nós e Merzouga extendia-se agora um estreito cordão de dunas. O Quim, sensatamente, decidiu contornar a dificuldade mas eu andava mortinho para me meter em trabalhos...
Seguimos momentâneamente para norte, ao longo da periferia do cordão. Enquanto progredia pelas dunas, perdi-os de vista... já tinha uma boa desculpa para me enfiar pelo cordão a dentro! :)

Não chegou a um quilómetro... e alguns minutos depois alcancei o albergue. No pátio já estavam os novos reforços da comitiva: Luís Ferreira na DR600, Luís Jacinto na AT e Bruno Valadas na XR600!
Passados alguns minutos chegavam o Quim e o Alex e, enquanto não chegava a hora de jantar, ouvimos as peripérias que estes senhores tinham passado através dum Atlas criogénico! :)

O jantar começou com uma sopa de cuscuz maravilhosa, em dose dupla, antes de chegar a tagine de borrego. Estava tudo delicioso!
Recolhemos aos quartos, onde sobre a cama já repousava a nossa roupa lavada, já passava da meia-noite e preparámos o corpo para mais uma viagem dentro da viagem. Desta vez, através do grande Sul de Marrocos.

Percurso do dia

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