terça-feira, abril 18, 2006

Dia 5: De Al Hoceima a Saka

"Já há um número significativo de pessoas levantadas!" - Rapidamente, arrumámos o material e deixámos o camping. Não posso dizer que o recomende a alguém. Os designados WC tinham de tudo menos água e o piso era duro, com muito cascalho irregular, um autêntico pesadelo para sustentar uma tenda.
Abastecemos as motos e procurámos o thé a la ment e os crépes avec mel para o pequeno-almoço. Após a refeição, buscámos o necessário pão e àgua para a jornada.

Deixámos Al Hoceima pela estrada para Nador. Logo após a saída da cidade sondámos um caminho para este, que seguia em direcção ao mar, na tentativa de abandonar imediatamente o asfalto. O caminho terminava junto da baía e não evidenciava sinais de continuar. Na baía de Al Hoceima, pontuavam pequenos rochedos, alguns totalmente desolados que pouco mais que ninhos de gaivotas albergavam. Isso e... "Aquilo não são bandeiras espanholas?" - perguntei.
"Aquela ali ao fundo com a fortaleza e a torre, se não me engano, foi o primeiro Club Med" - afirmou o Quim.
Dentro de poucos momentos, apareceu um militar marroquino, vindo da praia - "Bienvenue au Maroc!" - exclamou.
Na curta conversa com o simpático soldado, explicou que as ilhas tinha sido "roubadas" por Espanha o que, de facto, era uma tristeza... chamam-lhe os espanhóis, o Penón de Alhucemas.

Voltámos à estrada e procurámos um track que começava poucos quilómetros adiante, em Imzouren. Imediatamente antes desta localidade, divergímos para este, pelos campos de cultivo que preenchem todo o vale do oued Nekor.
Atravessámos o vale por pistas agrícolas que serpenteiam por entre os inúmeros canais do sistema de rega. O vale aparenta ser um importante fornecedor de produtos agrícolas à região, particulamente à cidade de Al Hoceima.
No extremo oposto do vale o track prosseguia por asfalto, contornando a montanha que se estendia até ao mar. Nós tentámos enveredar por caminhos que subiam acentuadamente pela montanha, por entre aldeias pitorescas e searas verdejantes, tentando evitar o asfalto até ao ponto em que pela frente não tínhamos mais que ténues carreiros de pedra degradados. Tentámos forçar a passagem o mais que conseguimos mas não tínhamos condições de progredir.
Amarga derrota perante a assistência distante dos aldeões circundantes que já nos haviam informado que ali só passavam burros. :)
Não conseguimos transpor aquela barreira natural, mas a tarefa àrdua foi recompensada pela vista dislumbrante obtida sobre o vale do Nekor e baía de Al Hoceima.
Regressámos ao asfalto e prosseguimos pelo track. Após transpormos a inclinação da montanha pela estrada caprichosa, o caminho marcado revelava-se à esquerda. Apesar dos declives, a pista estava bastante bem marcada, era larga e rápida permitindo-nos progredir a bom ritmo e apreciar simultâneamente a magnífica paisagem.

Após alguns quilómetros, o track regressava novamente ao asfalto. Cruzámo-nos com o oued Amekrâne e decidimos por ele avançar na tentativa, claro está, de fugir do asfalto.
O oued levava bastante àgua, para os padrões marroquinos, e o solo estava algo elameado. Progredimos meia dúzia de kilómetros para montante (sul) mas as dificuldades aumentavam e parecia de facto não haver por ali caminho. Acabámos num acolhedor vale onde aproveitámos para almoçar. Pão com paté e uma conserva de polvo foi a ementa escolhida.
Em poucos momentos, dois marroquinos surgiram no alto do monte empunhando uma marreta e uma picareta. Ao que constactámos, andavam por ali a partir pedra.
Doi-me o corpo só de ver a forma como estes homens reduzem enormes pedregulhos a pequenos calhaus, que posteriormente utilizam como tijolos para construção.
Alguns minutos depois chegou um tractor, pelo mesma via que tomámos, com uma galera a reboque para onde carregaram a pedra.

Deixámos o local e regressávamos ao asfalto, aproveitando para lavar a moto na caudalosa linha de àgua do oued. O Quim parou e queixou-se da suspensão - "Está a bater!"
Estranhamente, batia mesmo e parecia excessivamente mole. Apesar da pré-carga estar regulada no mínimo, não deveria bater assim tão facilmente... teria a mola cedido e perdido elasticidade? Ou terá o reservatório perdido gás?
Chegámos à estrada e o Quim estava seriamente preocupado com o estado da suspensão. Pensámos que o melhor seria procurar uma oficina e tornar a suspensão mais dura, aumentando a pré-carga da mola, pois mais que isso certamente não conseguiríamos por ali fazer.

Avançámos por asfalto e atravessámos um passo muito interessante antes de chegar a Irhmirene. Depois continuámos até Tifriste, localidade onde encontrámos finalmente uma oficina.
O mecânico também não tinha ferramenta adequada e tivémos mesmo que efectuar o serviço à lei do martelo e chave de fendas. Várias voltas depois, a suspensão continuava mole e esgotava facilmente - "Estranho, vê lá... onde é que isso está a bater?"
Surpreendentemente, o problema nada tinha a ver com a suspensão! Enquanto andávamos a trepar paredes nos montes limítrofes de Al Hoceima, o Quim tinha deixado cair a moto e dobrou ligeiramente um dos reservatórios traseiros. Com a compressão da suspensão, a base do reservatório, colidia com a protecção de corrente e causava a ilusão de esgotamento de curso! Ironicamente, isso também justificava o facto da protecção estar feita num oito...
"Que estupidez..." - pensámos. E lá corrigimos o problema...

Seguimos para sul, em direcção a Midar, onde apanharíamos novamente o track. A pista espectacular seguia em direcção a uns montes de vegetação luxuriante, Sendo bastante rolante prosseguiamos a bom ritmo e, em pouco tempo, transpusémos a cadeia acidentada e alcançámos o leito seco do oued Kert.
Rolávamos agora em pistas rápidas através dum grandioso vale em direcção a Saka. Parámos para apreciar aquele cenário e, em poucos minutos, um simpático ancião aproximou-se de nós. Cumprimentou-nos efusivamente e falou-nos algo em bérbere. Como nós infelizmente não falamos bérbere e ele, compreensivelmente, não falava francês, foi por gestos que comunicámos. Perguntáva-nos para onde queríamos ir. "Saka é por ali!" - dizía-nos. Quem precisa de GPS em Marrocos quando se encontram pessoas assim?
Chegámos a Saka já ao fim da tarde. Aproveitámos o mercado para comprar fruta e menta e bebemos um chá num café adjacente. Após a pausa, o dono do café observou que tínhamos comprado a menta e imediatamente foi buscar uma garrafa de àgua para que mergulhássemos os talos da menta, mantendo-a viva. Apesar de agradecer a boa vontade do simpático homem, delicadamente expliquei-lhe que seria complicado manter a àgua e a menta dentro da garrafa, na moto, assim que partisse pelas pistas! :)

Deixámos Saka com os olhos atentos a possíveis locais de pernoita. Entrámos em pista e, poucos kilómetros depois, chegámos a um oued arenoso suficientemente largo e profundo para nos acolher.
Ainda estávamos a discutir a possibilidade de ficar ali quando os primeiros miúdos se assomaram na encosta. "Bem... aqui já não é!"
Seguimos mais algus qulómetros pelo oued e parámos de novo. Estávamos num bom local e, por termos circulado durante algum tempo abaixo do nível do solo, convictamente pensámos que ninguém nos tinha visto parar ali. Errado, nem 5 minutos demoraram a alcançar-nos. Não poderíamos ficar ali sabendo que em breve seria local público.
Partimos novamente, decididos a avançar o mais possível para os montes onde dificilmente seríamos localizados.

A pista desaparecia progressivamente por entre os grandiosos montes pedregosos do jbel Yerene. Parámos um bocado e subi ao cume de um dos montes. O cenário grandioso cortava a respiração. Enormes vales remotos abraçavam picos rochosos de cor intensa, em tons de castanho, num panorama a perder de vista. Ao longe o jbel Mezgout preenchia imponentemente o horizonte. São momentos como este que, para mim, justificam todo o empenho com que empreendemos aventuras deste género.
Avançámos um pouco mais, por fora de pista, até um enorme vale de aspecto lunar. A noite havia caído mas já tínhamos local para acampar.
Esperámos alguns momentos para ver se apareciam, novamente, curiosos. Decidímos entretanto jantar e partilhei com o Tiago uma dose de esparguete e uma lata de atum. Passou quase uma hora e nem sinal de locais. Quando íamos dar ínicio à montagem do acampamento ouvimos um cumprimento distante. Do alto do monte, um vulto acenava. "Raios, não vai ser fácil hoje!" - exclamámos. Ponderámos o risco de ficar ali isolados sendo que, em breve, saberiam a nossa localização na vila. Decidimos arriscar e montámos as tendas, à excepção do Ricardo que decidiu dormir ao relento. O vale ventoso ameaçava uma noite fria e, sob o imenso céu estrelado que nos embalou naquela noite, não apareceu mais ninguém.

Percurso do dia

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