Felizmente, ao contrário de muitos outros animais, a nossa formatação é muito rápida. Tão rápida que em 15 dias até nós, habituados aos confortos-padrão do mundo ocidental, já estamos confortavelmente habituados a dormir no chão; a viver de enlatados; a dispensar o banho matinal; a montar e desmontar a casa em 15 minutos; a andar sempre de mãos sujas; a vestir a mesma roupa; a esfregar mal os dentes; a defecar de cócoras; a lavar o que podemos, onde podemos ou a passar 12 ou mais horas em cima da moto sem o mínimo resquício de cansaço.
Mais uma noite descansada. Mais uma casa arrumada.
![](http://deus.smugmug.com/photos/68549476-M.jpg)
No local, além das inúmeras rãs residentes, encontravam-se alguns locais e também um jipe com turistas.
![](http://deus.smugmug.com/photos/68551764-S.jpg)
![](http://deus.smugmug.com/photos/68550228-S.jpg)
Após breves minutos de contemplação, por entre monólogos surdos das jovens vendedores de souvenirs, continuámos em direcção ao Erg Chegaga.
Enquanto contornávamos a enorme extensão de dunas, pela pista imediatamente a norte, parámos à sombra dumas acácias. Aproveitei a pausa para me tentar aproximar um pouco mais das dunas.
Percorri cerca de dois quilómetros fora de pista, em direcção às dunas, e parecia que nunca mais lá chegava. Consternado, regressei. Não queria que o grupo perdesse tempo por minha causa. Tive de me consolar com a miragem ainda distante daquelas belas silhuetas douradas.
![](http://deus.smugmug.com/photos/68552574-M.jpg)
![](http://deus.smugmug.com/photos/68552990-M.jpg)
![](http://deus.smugmug.com/photos/68553934-M.jpg)
Aproximava-se rapidamente o meio dia e, com ele, a hora de almoço. Recolhemos sob uma acácia frondosa e tratámos de comer. Mais uma vez, fiquei-me por uma lata de atum com tomate, acompanhada por um naco de pão e rematada com uma laranja.
Após a breve refeição, retomámos o caminho e abandonámos as margens do seco Lac Iriki. Seguíamos agora em direcção à fronteira, para Sul, aqui delimitada pelo Wad Draa.
O Oued Draa, o maior rio de Marrocos, estende-se ao longo de cerca de 1100Km e é originado pela confluência do rio Dadés e do rio Imini. Corre desde as montanhas do Alto Atlas para sul, até Tagounite, seguindo depois para oeste até desaguar no Atlântico, um pouco a norte de Tan-Tan.
Durante a maior parte do ano está seco após Tagounite, sendo indispensável na irrigação de culturas hortícolas e palmeirais ao longo do seu curso.
Um pouco antes do Draa, encontrámos uma antiga pista do Dakar. Inconfundível. Balizada. E o melhor de tudo, seguia na direcção do azimute que havíamos traçado. Sem mais demoras, foi por ali que continuámos.
![](http://deus.smugmug.com/photos/68555397-S.jpg)
![](http://deus.smugmug.com/photos/68556941-S.jpg)
![](http://deus.smugmug.com/photos/68555959-S-1.jpg)
![](http://deus.smugmug.com/photos/68557743-S.jpg)
Os quilómetros passaram rapidamente. Calcorreámos zonas rápidas de terra batida, algumas de chapa ondulada, partes de muita pedra e alguns troços de areia de baixa dificuldade.
Por volta das 15h30 chegámos às margens do Oued El Mellah. O calor fazia-se sentir, aparte de estarmos imundos, e o local era ideal para ir a banhos. Mais depressa feito do que dito... e já estávamos de molho.
![](http://deus.smugmug.com/photos/68558730-S-1.jpg)
![](http://deus.smugmug.com/photos/68559656-S.jpg)
As margens do rio, arenosas, estavam cobertas dum mineral esbranquiçado e granuloso. Parecia-me ser sal. Até haviam torrões! Decidi não colocar a teoria à prova.
De seguida foi a vez de lavar a roupa interior, acumulada nos últimos dias, aproveitando a vegetação circundante para a pendurar a secar.
E por ali ficamos umas boas duas horas a descontrair.
Por volta das 17h30 decidimos prosseguir. Seguimos em direcção a uma pista que atravessava o leito do oued, poucas dezenas de metros para sul , através duma ampla bacia de grandes pedras roliças.
O Bruno, lá na frente, entrou com demasiada confiança e esbarrou numa pedra maior. Desequilibrou-se e caiu para o lado. Apesar das protecções, embateu violentamente com o joelho noutra pedra e ficou-se a queixar.
- "Aleijaste-te?" - perguntámos apreensivos.
- "Epá... uma beca!" - respondeu consternado.
Com esta reposta percebemos imediatamente que a situação era mais séria do que poderia parecer. Normalmente, quando caímos, temos sempre tendência a erguer-nos rapidamente e, orgulhosamente, a disfarçar as dores. Para o Bruno responder "uma beca", a situação tinha de ser séria!
A noite aproximava-se. Estávamos a cerca de 25Kms do asfalto e a pouco mais de 75Kms de Foum-Zguid mas o Bruno, modestamente, já só pedia um quarto de Hotel e gelo!
Decidimos permanecer ali nessa noite para aguardar a evolução da lesão, avaliando na manhã seguinte se o Bruno reunia as condições físicas para continuar.
Entretanto, aproximou-se uma coluna de 3 jipes Toyota com matrícula francesa. Deram algumas voltas pela zona e estacionaram, atrás dumas dunas, a cerca de 300m do nosso local.
Começávamos a montar acampamento, junto ao leito do rio, quando dei pela falta do meu Camelbak. Não seria preocupante não fosse eu ter os documentos todos lá dentro! Perguntei se alguém o tinha visto, mas as respostas eram negativas. Comecei de imediato a percorrer toda a área por onde tinha passado. Lembrava-me de o ter às costas quando arrancámos e também de o ter tirado enquanto auxiliava o Bruno. Mas não o conseguia ver em lado nenhum! Raios... aquilo não é assim tão pequeno!
Já com o Quim envolvido na operação de busca, e depois de termos percorrido novamente os cerca de 500m de extensão por onde tínhamos passado, decidimos ir perguntar aos franceses se, por acaso, não o teriam visto ou recolhido.
- "No... nous ne l'avons pas vu." - responderam, após breves instantes de conferência.
Eram 3 casais de meia idade. Já tinham o acampamento montado com uma pequena cozinha, sala de jantar, uma tenda WC e - imagine-se - um chuveiro! Isto sim é luxo!
Regressámos ao nosso modesto acampamento e enquanto montava a tenda, matutava já uma forma de resolver o grave problema da documentação...
Já com a casa instalada, preparámos o jantar. Saciei-me com uma dose reforçada de papa Cerelac e terminei com um café.
Já sob a habitual imponência da cintilante abóbada celeste, recolhemos aos aposentos para mais uma tranquila e silenciosa noite no deserto.
![](http://deus.smugmug.com/photos/68560472-M.jpg)
Percurso do dia
<< anterior seguinte >>
Sem comentários:
Enviar um comentário