segunda-feira, julho 21, 2008

Liberdade!

Acordo cedo. Ainda não são 9h da manha e já estou a caminho da embaixada. Apanho o metro em Kitay-Gorod e sigo até à Prospekt Mira, a estação mais próxima do local.
Fica na Botanitchesky Per. e a secção consular é num dos lados do edifício. Entro no pequeno hall e dirijo-me à única secretaria. Não fala português, nem inglês... fala russo.
Por gestos peco-lhe que chame alguém para falar comigo. Diz que não esta ninguém. Insisto e manda-me esperar.
Já conheço suficientemente bem os russos. Quando não compreendem, não sabem ou não querem responder, mandam-nos esperar. No hall já há umas 10 pessoas amontoadas para pedir um visto. Insisto, já ligeiramente alterado por estar em solo português e não obter atenção! Martela alguns números num telefone e fala com alguém.
Instantes depois, surge outra mulher. Também é russa e falam entre si - sobre mim - durante um bocado sem me dirigir o discurso. Começa-me a chegar a mostarda ao nariz... exijo falar com um diplomata. Alguém teria de ter conhecimento de que eu iria aparecer ali hoje! A segunda mulher pergunta-me o nome - em português!!! - e desaparece de imediato. Foi a gota...

Ligo novamente para Portugal. A simpática diplomata, do consulado de emergência, atura a minha indisposição momentânea perante o tratamento que estou a ter numa embaixada do meu próprio país! Diz-me que o embaixador está em Portugal mas vai ligar para a número dois em Moscovo. Desligo e insisto com a recepcionista que quero falar com alguém - agora - em PORTUGUÊS! Não parece saber o que fazer... martela números no telefone, sem qualquer nexo.
Minutos depois surge um homem baixo e mulato no hall:
"Português? Português?" - repete em todas as direcções. Finalmente...
Deixo o hall e sigo o homem até ao primeiro andar. Explico a situação e sai por instantes. Volta e pede-me que o siga, pelos serviços, até um gabinete.
Assim que entro...
"Vocês , só se sabem meter em sarilhos!!! Então vêm para um pais destes e não sabem o que devem fazer com os vistos??" - exclama o homem, indignado, sentado atrás duma ampla secretaria.
Finalmente, um genuíno português!! Não consegui deixar de sorrir durante o raspanete do Sr. Moura, diplomata em Moscovo, e de certa forma apreciei imediatamente da sua postura e senti de imediato a certeza que ficaria tudo resolvido!
Explico-lhe melhor o sucedido. Diz-me que foi com ele que falaram no Sábado. Sabe que em tempos aconteceu o mesmo a outra pessoa, mas não se lembra como foi resolvido. Chama a sua secretaria, uma russa jovem e bonita que fala perfeitamente português, e encarrega-a de descobrir junto dos russos o que é necessário fazer para resolver isto. Fico no seu gabinete mais de uma hora, falamos inevitavelmente sobre Portugal e sobre a Rússia. Não vivem aqui muitos portugueses e, os poucos que vivem, só o comunicam à embaixada quando tem problemas... somos mesmo assim, nós, os portugueses.
Depois, a secretária regressa e diz-me que espera esclarecimentos da embaixada da Bielorrússia. Em principio, não há qualquer problema com os meus documentos... mas vai demorar mais uma hora a ter a confirmação e o Sr. Moura diz-me que, se quiser, posso ir dar uma volta. Mergulho nas ruas, cheio de energia... e de fome!!

Subo a Prospekt Mira até à estação Rizhskiy e depois sigo pela Krestovskiy Per. já a saborear um folhado de salsicha acabado de fazer por uma das muitas babushkas que os vendem em quiosques de rua. Esta zona da cidade é essencialmente residencial, de altos edifícios sóbrios e descolorados. Ruas ladeadas por árvores nos passeios amplos e desobstruídos. O comercio é escasso e disperso.
Gosto de ver como vivem os locais e é em subúrbios destes, aparentemente despovoados durante o dia, que vivem a maioria dos moscovitas.

Continuo pela Pereyaslavskaya ulitsa até à rua da embaixada, onde regresso por volta das 12h. Tenho de aguardar novamente autorização da secretária-recepcionista para subir as escadas.
"Wait" - demora... o hall está ainda mais congestionado. Não imaginava um consulado português em Moscovo tão concorrido.
"I'm expected!" - insisto irritado, já' sem qualquer paciência para aturar esta atitude que, a meu ver, é simplesmente intolerável e inconcebível onde quer que exista uma presença portuguesa. Tanto quanto sei (sou português...), ninguém procura uma embaixada do seu país para queimar tempo... do seu ou dos outros! Mas parece que estou enganado, a julgar por esta barreira invisível...
Dez minutos depois, autoriza-me a subir...
Entro novamente no gabinete do Sr.Moura e desabafo...

Pouco depois, temos boas noticias... tudo não passa, afinal, de "falta de informação"! O controlo de entrada na Bielorrússia é suficiente. Estou legal!
A secretaria fica maravilhada com os pormenores da minha viagem. Diz que também quer vir!! O Sr. Moura dá-me o seu numero de telemóvel particular e insiste que lhe ligue se tiver qualquer problema. Despeço-me, agradecido, destas pessoas maravilhosas (e que são o Portugal de muitos portugueses, tanto em Portugal como por esse mundo fora) que não teria tido oportunidade de conhecer não fosse ter estado "ilegal" por dois dias! Valeu a pena... mas agora é tempo de apreciar novamente a liberdade!!

<< anterior seguinte >>

Sem comentários: