sexta-feira, julho 18, 2008

A bordo do "Polonez"

La' fora, desfilam os subúrbios de Varsóvia. A zona oriental da cidade é, curiosamente, mais cinzenta e sombria que a zona ocidental e a composição vai atravessando zonas industriais deslapidadas.

"Privyet. Menya zavut Miguel." - estendo a mão na direcção do meu interlocutor, um jovem caucasiano de ar taciturno.
"Oleg." - responde.
"Gavareetyeh lee vy paangleeskee?" - pergunto (se fala inglês), praticamente esgotando os meus recursos de vocabulário russo...
"Yeez... little."

E assim conheci o Oleg, um engenheiro bielorrusso de 33 anos, que vive em Brest com a esposa e o filho. Tecnologista-chefe numa empresa de fabrico de mobiliário, regressava de Hannover onde foi avaliar uma nova máquina para a fabrica.
Conversámos, vimos fotos um do outro, trocámos ideias, fomos para o vagão-restaurante beber umas cervejas e jantámos Zurek. Bebemos mais e discutimos as nossas percepções do mundo... como não poderíamos ter feito há apenas 20 anos.
Quando regressámos ao compartimento, estava lá um russo de meia idade, baixo e redondo, a petiscar afincadamente... estranhei, pois o compartimento só tinha duas camas. Apresentei-me e o russo (esqueci-me do seu nome) respondeu num inglês bem pronunciado e surpreendentemente fluente.
Não pude deixar de reparar nas folhas que tinha sobre a mesa, de onde reconheci algumas equações de electromagnetismo. É físico, e vem de uma conferencia qualquer na Alemanha.
O Oleg recomenda-me cautela: a Rússia é perigosa. O Professor concorda... principalmente na Sibéria. Fico intrigado...

Pouco depois, chegámos à fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia. A guarda polaca surge na porta do compartimento e controla os passaportes... minuciosamente.
Estamos no limite da UE e o Oleg e o Professor são prontamente despachados. O meu passaporte detém-se nas suas mãos mais tempo. Procura identificar todas as seguranças. Faz muito bem!

Do outro lado da fronteira, repete-se o aparato. Preencho a declaração aduaneira e o cartão de registo com a ajuda do Oleg. Entram e recolhem os passaportes.

Meia hora depois estávamos a chegar a Brest. Troco contactos e fotos com o Oleg. Convido-o a vir a Portugal. Infelizmente, é como diz, "Not easy... very expensive...". Despedimo-nos. Espero que um dia o possa receber.

A composição imobiliza-se no apeadeiro. O Professor dá-me alguns conselhos sobre a Rússia e despede-se também:
"I'll be in the next compartment, if you need any help." - acrescentou.
"Spaciba!"
Após a entrada e saída dos passageiros, dirige-se para um enorme telheiro onde são trocados os eixos, isto porque os caminhos de ferro da ex-URSS e da Mongólia são mais largos que no resto do mundo.
As carruagens são içadas uma a uma, os eixos "europeus" são removidos por uma das extremidades enquanto pela outra entram os novos eixos. O processo demora pouco mais de uma hora.

A assistente da carruagem traz-me os lençóis. É simpática e agitada. Fala comigo em russo como se eu percebesse cada palavra. Descodifico grosseiramente os seus gestos. Pede-me que tranque o compartimento por dentro, antes de dormir.
Eramos três... Mas, afinal, vou passar a noite sozinho.

Pela janela, por entre a vegetação cerrada, mal vislumbro uma nesga da planura do horizonte.

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