sábado, maio 14, 2005

Dia 10: De Chamonix à Riviera

Acordei já passavam as 9:00. Levantei-me com sacrifício apenas para descobrir um tempo cinzento lá fora. Parecia que os Alpes se queriam despedir de mim com lágrimas :)
Depois de ir buscar o "cacete" encomendado na noite anterior (engraçado como os franceses, tão asseados em praticamente tudo, comercializam o pão de mão em mão e sem protecção pelas ruas...como se se tratata-se de um pacote de leite! É certo que as ruas estão imaculadamente limpas e os monsieurs e madames se lavam bem, mas ainda assim...). Arrumei o material, despedi-me do anfitrião e fiz-me à estrada.
Eram 10:30 estava às portas do túnel do Mont Blanc. Alguns minutos e 17.50€ depois, e percorria os mais de 12km de túnel que dão acesso a Itália.
Pelos Alpes italianos

Já em terras transalpinas, seguiu-se mais uma sequência interminável de túneis até que, por fim, alcancei o Vale d'Aosta. Segui por estradas secundárias até Turim, sempre debaixo de chuva e nevoeiro cerrado. Daí em frente as estradas de montanha, extremamente acidentadas sempre em curva/contra curva fechadas, garantiram que cada km parecesse infinito. A progressão neste tipo de estrada estreita e sinuosa, com piso molhado e visibilidade na ordem dos 50m, era difícil e cansativa.
Tentei navegar, na medida do possivel, em direccao ao sul e foi já perto das 18:00 que vislumbrei o Mediterrâneo. Como por artes mágicas, toda a nebulosidade e chuva "esfumaram-se" subitamente. No céu brilhava um sol de agosto e o frio que me acompanhou durante mais de 7h ao guiador rapidamente deu lugar a temperaturas já acima dos 20°.
Passei por Imperia onde enveredei pela marginal. A fome à muito que tinha dado lugar ao cansaço e foi já perto da exaustão que cheguei a San Remo. Cruzei a marginal da cidade e encostei à beira mar para finalmente comer uma sandocha de atum (sim ATUM! Como na faina!...).
Dez minutos, um ferrari e um Rolls Royce depois decidi, em muito boa hora, ficar por aqui com a @ esta noite. Já tinha visto um camping à beira mar mesmo à saída da cidade e refiz com renovada energia os escassos 2km que me separavam dele. Novo recorde para "o camping mais caro": 17€/noite. Conseguiu bater Paris! Não pensei que fosse possível...Welcome to Riviera!
Instalei-me e fui dar uma voltinha à cidade. Lembro-me do que disse dos condutores de Paris...pois entao: nós estamos para os parisienses como estes estão para os italianos.
Começo a pensar se os sinais de trânsito não terão diferente significado por estas bandas...duplo traço contínuo será "obrigatório ultrapassar"? E semáforo vermelho será "avancar se não vier ninguém"? Enfim, se fosse esporadicamente atá parecia o nosso país...mas por aqui parece ser regra, principalmente para as scooters! Deverão ser diferenças subtis no código da estrada...
Após passar num supermercado, voltei ao camping para finalmente saciar a fome e recarregar baterias para a etapa seguinte que será, faço questão, bem mais curta e descontraída.
Reflexão política (não ler): das mais óbvias constatações, que tenho feito ao longo destas viagens, é o nosso afastamento daquilo que é cada vez mais o padrão social europeu. Existe uma clara semelhança transfronteiríça, nos países do bloco central (Franca, Benelux, Alemanha, Suíça e Itália) no que diz respeito ao nível de estruturas e equipamentos sociais, reflexo da pujança económica, que se traduzem na qualidade de vida dos povos. Pode-se dizer que, à parte das distintas características arquitectónicas e culturais, a Europa tem convergido aqui de uma forma evidente, numa fusão cultural e social que definitivamente demoliu fronteiras.
Podemos justamente apontar o nosso isolamento geográfico ou até lamentar não termos melhor vizinhança (pois a Espanha também sofre um pouco disto, embora em muitíssimo menor escala), mas o que não podemos fazer é ignorar este fenómeno europeu. Quando em Portugal se fala de convergência, ao português vem logo à memória a questão salarial. Esse não me parece o factor fundamental. É importante, mas não é fundamental. Os salários aumentarão naturalmente quando a economia evoluir mas, para isso acontecer, o país carece de uma reforma profunda de todo o sistema económico, social e político, mas acima de tudo cultural. Isso tem sido repetido sucessivamente pelos governos nas décadas recentes, mas todos tem sido demasiado medíocres e cobardes para a por em prática. Os maiores obstáculos nem parecem ser as distâncias ao coração europeu, parecem sim ser a visão curta dos nossos governantes, que governam a pensar nas eleições seguintes, sejam elas legislativas, autárquicas, europeias ou presidenciais (de forma a maximizar o número de "jobs for the boys") e a nossa ansiedade descontrolada por resultados imediatos.
Jamais chegaremos a este nível com políticas econónicas a 2 anos, com mudanças de rumo constantes, com governos alternados à esquerda e direita que constantemente cancelam as pseudo-reformas em curso para implementar outras idênticas. Tudo isto signica tempo perdido às voltas do nada, enquanto os restantes membros isolam na frente do pelotão. O sacrifício terá de ser bem maior. A fasquia tem de ser elevada. Não chega crescer ao ritmo europeu, temos de crescer bem mais! São já 20 anos de atraso para recuperar embora, sinceramente e a esta distância, me parecam muitos mais...
Entre a década de 40 e meio da decada de 80, Portugal parou no tempo. Os governos maioritarios do Prof. Cavaco Silva, aproveitando a adesao a CEE e os apoios subsequentes, conseguiram impulsionar a economia como nunca antes. Foram 8 anos em que muito foi feito e cujos efeitos se propagaram ate ao final da decada de 90. O chamado "estado de graca" do Eng. Guterres foi consequencia da sua clarividência em "deixar andar" as politicas e obras cavaquistas. Infelizmente foi só isso que fez, manteve a inércia e deixou o país abrandar de tal forma que, com a crise económica mundial do princípio desta decada, não só parou como visivelmente regrediu.
É muito difícil empurrar um carro numa subida quando se deixou o motor "morrer" na descida.
Quem manda em Portugal continuam a ser os senhores da ditadura e da revolução. Cabe à próxima geração de políticos uma tarefa bem mais difícil, mas grandiosa e compensadora se alcançada: colocar Portugal mais perto do coração da Europa, e a Europa no coração dos portugueses.

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