segunda-feira, agosto 29, 2005

Dia 6: De Zagora a Foum-el-Hassan

Na manhã seguinte, pelas 9:00, já estávamos na oficina em Zagora. O Aziz tratou de refazer a rosca do perne, enquanto os restantes assistentes lubrificavam a viatura e reparavam pequenos problemas que encontravam...

Pelas 10:00 já estávamos à entrada das pistas, junto à nova placa "Tombouctou 52 jours". A antiga, de madeira, foi demolida para dar lugar a nova construção :( e substituida por esta de betão (daí a seta estar a apontar na direcção oposta).

Partimos então para Foum Zguid, começando aqui verdadeiramente as pistas do sul e aquilo que eu cá tinha vindo fazer :)
O pista estava razoavelmente nítida e bem conservada sendo possível manter um bom ritmo de progressão, sempre superior a 60Km/h. Os primeiros 30kms eram de terra batida com algumas passagens de areia...

...dando depois lugar a mais de 100kms de pista muito pedregosa...

Pelo caminho decidímos parar para comer qualquer coisa e, do meio do nada, surge uma menina a pedir. Teria talvez os seus 13 anos e deveria andar por ali a pastar um rebanho, embora não se visse sinal dele. Mostrou-me os sapatos de plástico (o que restava deles) e, não tendo uns que lhe desse, peguei na fita americana e "reconstruí-os" o melhor que pude. Fiquei triste por não ter mais nada para lhe oferecer... Entramos em Marrocos e aos primeiros contactos com crianças oferecemos o que temos, esquecendo (ou ignorando) que os mais necessitados estão lá mais em baixo, onde raramente as ofertas dos turistas chegam. Aquela menina deu-me algo. Algo que não consegui retribuir...

Prosseguimos e os últimos kms passaram novamente a ser maioritariamente arenosos.

Alcançámos Foum Zguid já perto das 15:00, onde houve ainda tempo para observar o antigo forte da Legião Estrangeira, logo à entrada na colina.
O pessoal no 4X4 não quiz prosseguir por pista até Tata. Teríamos de chegar o mais depressa possível ao Atlântico para recuperar o dia perdido.

Infelizmente, lá tomámos o asfalto com pistas sempre ali perto a "espicaçar"...

Após Tata seguímos para sul até Akka. Entretanto, apanhámos uma pequena tempestade de areia e desatou a chover! Abençoada àgua! Choveu até Akka...

...e foi mesmo antes de lá chegar que a moto entrou na reserva.
Procurei por uma bomba com gasolina sem chumbo..."30Km para sudoeste" diziam uns, "70!" diziam outros, "só em Tata" diziam ainda outros...
Decidimos avançar para Foum-el-Hassan. O jipe partiu com avanço para ir comprar gasolina onde encontrá-se e voltar para trás ao meu encontro. Eu seguiria algum tempo depois até onde a gasolina que tinha me levasse.
Sempre em ritmo muito lento, para "esticar" a reserva, lá fui andando em direcção a Foum-el-Hassan. Nas calmas fiz o caminho todo até lá e, pela primeira vez desde que tenho a moto, o depósito ultrapassou os 430Km de autonomia!!
Cheguei à periferia da vila de noite. Decidi parar a 3kms junto ao entroncamento de Icht, onde estava situado um controlo permanente da Gendarmerie Royal, e contactar o jipe. Estavam na vila e nem cheiro havia de gasolina sem chumbo...
Haviam já marroquinos a "oferecer" os seus serviços para resolver o problema. Entre eles estava um mecânico e o intérprete (o mecânico só fala àrabe e berbere), com um furgão ligeiro, que se "oferecia" para ir buscar o combustível a Guelmime por "apenas" 500Dh...
Como estávamos interessados em ganhar terreno até à costa, contra-atacámos propondo que levasse a moto até Guelmime, caso contrário iríamos procurar outra pessoa que o fizesse! O marroquino não se fez rogado:
-"1000Dh para levar a moto!"
-"Adeus e boa noite. Vamos procurar outra pessoa..."
-"800Dh!"
-"Esqueça..."
-"Por menos não vou..."
-"Quanto quer para ir buscar a gasolina?"
-"500Dh..."
-"Dou-lhe 350Dh e vou consigo."
-"450Dh!"
-"Não! 350Dh e vou consigo! Caso contrário vamos lá de jipe..."
-"...Acordado."
Parece curta mas a "negociação" demorou mais de meia hora... Após isto, deixei a moto junto dos meus colegas do jipe em Foum-el-Hassan e enfiei-me no furgão com dois jerricans e três marroquinos: o mecânico, o intérprete e o filho de mecânico :)
De seguida veio a experiência mais autêntica que trouxe de Marrocos. Às 10:00 da noite, a 100Km/h pelas estradas de montanha do Anti-Atlas, num furgão bem enfeitado, a ouvir música berbere bem alta e com aulas de dança particulares! Parecia um sonho :)
Chegámos a Tagannt. Já tinhamos passado por várias bombas e nada de "sans plomb"...
Parámos numa estação com vários cafés e grelhadores de rua. Enquanto o mecânico manipulava contactos e fazia telefonemas para descobrir onde havia sem chumbo aquelas horas da noite, vi-me "compelido" a dispender de 30Dh para pagar o petisco à rapaziada... lá petiscamos uns bocados de ovelha picada grelhada (fté?), pão e coca-cola. Passou bem uma hora e não havia meio de avançarmos. Às escondidas do mecãnico, os outros dois lá iam fumando cigarros atrás dos autocarros que paravam.
Finalmente entrámos no carro e seguimos em direcção a Guelmime.
Na cidade encontrámos finalmente o que procurava! Atestados os jerricans, regressámos rumo a Foum-el-Hassan, não sem antes apanhar mais um marroquino, pois ter carro em Marrocos significa quase sempre fazer serviço de táxi... se não está cheio, cabe sempre mais um!
Passavam as 3:00 da manhã. O mecânico, cheio de sono, pediu-me para conduzir o carro (era o único passageiro com carta)... recusei, pois pior estava eu! Desde as 8:00 da manhã, já tinha feito mais de 170Kms de pista e quase 400km de asfalto...
A condução agressiva do marroquino, aliada ao volume da música berbere e ao meu cansaço acumulado, forçaram a minha mente a entrar num estado "zombie"! Não estava a dormir, mas também não estava acordado...
Chegámos a Foum-el-Hassan já depois das 4:00 da manhã. A vila finalmente estava a dormir e tinha dado tréguas aos colegas do jipe... Ao que parece, haviam tido companhia até altas horas, e pouco foi aquilo que não lhes tentaram vender! :D
= Foi já em Portugal, várias semanas depois, que "descobri" que a AT suporta perfeitamente gasolina "super" :S
Nos escassos meses que tenho de experiência com motos, foi algo que nunca cheguei a sequer a ponderar... na minha ignorância, acabei por gastar tempo e dinheiro desnecessáriamente! Enfim, com os erros se aprende :) e sempre fica a inolvidável experiência vivida naquela noite ;) =
Atestei o depósito da moto e, na total ausência de sítio para pernoitar na vila, decidimos sair dali e procurar local para dormir na berma da estrada. Ao passar pelo controlo da Gendarmerie, decidi arriscar e perguntar-lhes se não nos autorizariam a pernoitar ali mesmo, no parque do posto... "N'est pas grave!" respondeu. Excelente! Montámos uma tenda para descansámos os três o que restava para o nascer do sol, enquanto o casal ficaria no carro :)
Maldito colchão de pedras pontiagudas...

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